Quando os muros falam, podem dizer muito

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Imagem: Reprodução/ Acción Poética

O poeta Paulo Leminski, em vídeo disponível na internet que mostra sua conversa com estudantes – possivelmente da Universidade Federal do Paraná (UFPR) – afirmou que tinha horror aos muros brancos.
Inserido em um contexto em que a poesia marginal marcava não somente seu espaço na produção artístico-cultural, como também na própria fisionomia da cidade, ele se referia aos muros como grandes e importantes meios de comunicação. Mais que o antigo embate “classificatório” entre pichação e grafite, a discussão se aproxima de ações e intervenções que buscam causar algo, seja uma reflexão, seja uma reação. Não cabe aqui refletir sobre uma possível ação criminosa ou não, mas sim seu cunho estético, político, poético.

Neste panorama, atualmente há várias ações que saem dos muros e chegam às redes sociais (em alguns casos, o contrário), mas destaco cinco que podem colaborar para reflexão sobre o tema, bem como outras reações através das frases, poemas, pensamentos inscritos e escritos. A escolha não foi das mais simples, mas apresentam um bom panorama sobre a temática, em especial na América Latina. Confira:


– ACCIÓN POÉTICA
A Acción Poética iniciou em Monterrey, no México, em 1996 e talvez seja a principal ação latina e mesmo mundial neste sentido. O idealizador é o poeta mexicano Armando Alanís Pulido. A ideia era e ainda é simples: pintar em muros fragmentos de poemas e canções. Com o tempo, no entanto, também foi se transformando em outras frases e reflexões, muitas vezes irônicas e provocativas.

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Imagem: Reprodução/ Acción Poética

Há vários locais, cidades e bairros, sejam capitais sejam de “pueblos” (pequenas cidades do interior) que utilizam não somente frases de impacto, como também a marca Acción Poética seguida do nome do local. Assim, não somente a Ação é marcada, como também seu alcance.

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Imagem: Reprodução/ Acción Poética

Ficou curioso? Várias imagens estão disponíveis no site oficial do movimento e também nas fanpages de vários locais.

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Imagem: Reprodução/ Acción Poética

No Brasil, a “Ação Poética” ainda é pequena e tem pouca abrangência nas redes sociais. No entanto, outra iniciativa tenta apresentar algo parecido, a Olhe os Muros.

– OLHE OS MUROS
A Olhe os muros foi lançada em 2009. Ação multimidiática, sua proposta, segundo o seu site, “é sensibilizar as pessoas para que olhem não apenas os muros, mas tudo o que há em volta deles, se transformando em um espaço que sirva para conectar experiências e para compartilhar fotos, opiniões, ideias, tudo isso e muito mais”.

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Imagem: Reprodução/ Olhe os muros

Ainda de acordo com a descrição oficial, a ideia “é reunir o maior número de experiências e mensagens possível, permitindo que um sem número de pessoas ouçam o que as cidades ao redor do mundo têm a dizer. O olheosmuros é um coletivo que nasceu para ser colaborativo e só vai sobreviver dessa maneira”.

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Imagem: Reprodução/ Olhe os muros

Apesar de não fazer referência diretamente, a ação – assim como todas as outras aqui citadas – é difícil observar e mesmo analisar tais ações sem lembrar de Walter Benjamin e sua divisão em recepção ótica (marcada por certa atenção, contemplação e mesmo surpresa) e a recepção tátil (“menos atenciosa” e mais ligada a experiência urbana apressada, mias repetitiva, costumeira).

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Imagem: Reprodução/ Olhe os muros

Antes de entrarmos de vez na discussão acadêmica, voltemos para o trajeto e sigamos ao próximo exemplo.

– ESCRITO NAS PAREDES
Desta vez, o perfil não é no Facebook, mas no Instagram. A conta é semelhante a do Olhe os muros e destaca imagens de paredes com algumas frases reflexivas, poemas.

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Imagem: Reprodução/Escrito nas Paredes

O diferencial talvez seja o maior número de imagens mais curiosas que são compartilhadas.

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Imagem: Reprodução/Escrito nas Paredes

– ONDE JAZZ MEU CORAÇÃO
Além dos muros pintados por pessoas anônimas, há ainda ações “individuais” e em que a autoria não somente é conhecida, como reconhecida.

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Imagem: Reprodução/Onde jazz meu coração

A “Aqui jazz meu coração”, que saiu das redes sociais e após alguns meses, foi patrocinado através de campanha de crowdfunding. A página (e o livro) reúnem poemas e reflexões da autora Ryane Leão.

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Imagem: Reprodução/Onde jazz meu coração

– COTIDIANO COLETIVO
A ação do fotógrafo Maycon Nunes está no início, mas possui um cunho curioso em Belém. Em uma cidade em que em geral a população ignora ou desconhece sua história e passa apressadamente – em que prevalece, portanto, a recepção tátil – e com medo nos locais, apresenta reflexões e frases interessantes.

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Imagem: Reprodução/ Maycon Nunes/ Cotidiano Coletivo

A ideia é simples: imprimir algumas reflexões e colar em postes. Algumas são escritas pela própria filha do poeta e fotógrafo, o que dá um tom não somente infantil, mas principalmente sensível à ação de seu idealizador.

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Imagem: Reprodução/ Maycon Nunes/ Cotidiano Coletivo

Por fim, um aceno
Antes de concluir essa postagem, um bônus/ uma lembrança: a frase – enigmática? – que está há anos na parede externa do Solar da Beira, no complexo do Ver-o-Peso, em Belém.

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Foto: Enderson Oliveira

A frase, na verdade o aceno – possivelmente romântico – segue um mistério – interessantíssimo -, pelo menos para mim. Quem souber sua origem ou mais informações, fique à vontade para comentar. Independente disso, o registro não se apaga (ainda bem) e pode estimular maiores observações e mesmo mais ações do tipo na capital paraense.

Enderson Oliveira

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